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Capote

Apesar de ser, incontestavelmente, um filme de qualidade, Capote parece estar a serviço do livro que tem como pivô – A Sangue Frio. Bem dirigido, interpretado e fotografado, o longa prende a atenção do espectador, mas transmite uma sensação intensa de que algo está faltando.
O longa revela os bastidores da realização do famoso livro, publicado em 1965. Truman Capote, o escritor, vai à pequena cidade de Holcomb em busca de material para um artigo sobre o inexplicável assassinato de uma família inteira por dois homens.
A impressão de vazio de conteúdo passada só é preenchida com a leitura do romance de não-ficção (gênero inaugurado pelo autor) já que, no filme, não se sabe nada sobre a família massacrada e praticamente nada é dito sobre ou pelos assassinos. A presença de Harper Lee, amiga do protagonista, não diz muito, uma vez que sempre aparece como acompanhante. Seria até mesmo um personagem inexpressivo, uma "escada" para Capote, se não soubéssemos se tratar de uma grande escritora, autora do clássico O Sol é para Todos e fundamental na vida do colega. Temos acesso a muito pouco e as informações que obtemos aparecem fragmentadas. Em uma cena, Capote solta algum detalhe de sua infância. Em outra, faz algum pequeno comentário sobre sua história de vida ou pavoneia por festas contando casos sobre seu trabalho. E tudo isso faz com que o espectador queira sempre saber mais e mais. Quando os créditos sobem, a sensação é a de que não teremos uma experiência completa se não dermos um pulo em uma livraria e levarmos para casa um exemplar de A Sangue Frio.
Embora exista esse vazio, o filme tem êxito em criar um clima de tensão. A falta de informação não é necessariamente ruim - é justamente ela que mantém o interesse do público. De certa forma, é como se o filme funcionasse como um aperitivo para o livro. Na realidade, o ideal seria que ele fosse uma obra independente e completa, mas não é o que acontece. É possível dar um desconto para essa falha já que o tema em questão é tão amplo – a complexidade da mente humana e as motivações de quem comete um crime hediondo. Tanto é que Capote não conseguiu apenas escrever um artigo, como era o combinado com seu chefe. O material era tão vasto que ele precisou de um livro inteiro para desenvolvê-lo. Sendo assim, a tarefa de tratar a fundo um tema tão complexo em apenas duas horas de projeção torna-se ainda mais difícil – tarefa que o diretor não conseguiu desempenhar de forma exemplar.
O foco de Capote está na relação entre o escritor e Perry, mas principalmente no fascínio que a singular mente do assassino exerce sobre o personagem-título. Truman procura humanidade até em um dos atos mais terríveis – o homicídio. O relacionamento entre os dois ora é marcado por profunda generosidade e tolerância, ora por egoísmo e desprezo. O caráter de Capote é bastante dúbio – um homem sofrido e rejeitado que se identifica com Perry e tenta ajudá-lo mas, com o tempo, age de acordo com seus próprios interesses e torce para que a execução aconteça o mais rápido possível. Philip Seymour Hoffman encarna um escritor extremamente talentoso e inteligente, de personalidade muito peculiar. A princípio, soa até mesmo artificial de tão incomum, mas ao longo da projeção sua atuação toma naturalidade – ou então é o espectador que se acostuma. Entretanto, Hoffman tem um desempenho coerente com o Capote original, segundo os relatos. É provável que o famoso autor fosse mesmo atacado daquele jeito, além de egocêntrico e irritante. Mesmo assim, é digno de grande respeito por tamanha determinação e competência.
Bennett Miller é responsável por uma boa direção, discreta na maior parte do tempo - a não ser em belos planos como o de Capote, numa festa, rodeado por fotógrafos, movendo-se em câmera lenta. Entretanto, sua inexperiência cinematográfica (esse é o seu segundo filme, após um documentário) transparece na continuidade de ação. A montagem também causa estranhamento ao colar planos com praticamente o mesmo enquadramento e poucas diferenças, ao invés de intercalá-los com planos diferentes ou mesmo mudar o enquadre.
Capote é uma obra muito mais rica quando se conhece A Sangue Frio, pois contextualiza sua trama e mostra o trajeto emocional de seu autor enquanto escrevia um livro considerado divisor de águas da literatura americana. Sua realização é extremamente válida e tem seu lugar, mas não funciona com perfeição como peça cinematográfica isolada. De forma um pouco exagerada, é como assistir ao extra sem ter visto o DVD - mesmo que o extra seja extremamente interessante.


Capote (Capote, 2005)
Direção: Bennett Miller
Elenco: Philip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Clifton Collins Jr., Chris Cooper, Bruce Greenwood, Bob Balaban.


Mariana Souto - souto_mariana@yahoo.com.br

Um comentário:

  1. Discordo completamente da sua análise. O mérito do filme está na estupenda performace de Hoffman, mas o filme funciona pela escolha atípica de cine-biografia.
    Através de um recorte da vida de Capote, o periodo de concepção de A Sangue Frio, é possivel conhecer quem foi esse escritor e a importância dele na criação de um genero que linka literatura e jornalismo. O menos relevante no filme é o assassinato e a série de discussões que o livro levanta. Mas sim perceber qual o grau de sacrificio, e as vezes insensibilidade, que uma obra prima é concebida. É maravilhoso perceber que Capote tentado humanizar os assassinos acabou desumanizado. Sua vaidade e a alma de jornalista sanguinário forma mostradas.
    Ele fez um grande livro e entrou para história, mas em troca, perdeu sua pureza e nunca mais fez nada relevante.

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