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Zodíaco

Ao anunciarem que David Fincher (Clube da Luta, Seven) assumiria a direção de Zodíaco, jornalistas e cinéfilos já comentavam – aí vem outro grande filme. O longa que traça a misteriosa estória de um dos maiores serial killers dos EUA era aposta certa de sucesso, bilheteria e prestígio para Fincher. No entanto, o filme foi um fracasso de bilheteria e divide opiniões entre o público. Alguns o acham longo demais, sem ação, sem o clima Seven que tanto desejavam. Outros, incluso esse aspirante a crítico, tem certeza - Zodíaco é mais uma obra-prima na carreira de Fincher.

O diretor que antes exibia seu talento em planos e seqüências mirabolantes, vide Clube da Luta e O Quarto do Pânico, demonstra amadurecimento e se esconde timidamente atrás da câmera. Ele entende que o mais importante é a estória que precisa ser contada, portanto, empresta seu vasto talento para contá-la. Fincher foca no desenvolvimento das personagens como veículo para esclarecer as inúmeras e complexas articulações da trama.

As alegações de que o filme é lento e sem ação são válidas, mas isso não impede que o espectador perceba o quanto a estória é intensa e curiosa do ponto de vista jornalístico, policial, jurídico e social. O longa segue em um tom retilíneo, o que leva os mais afoitos a classificá-lo como chato. O roteiro de James Vanderbilt, baseado em livro de Robert Graysmith, foge um pouco da estrutura clássica do cinema, em que são deixados pontos de virada para atiçar e segurar o espectador à trama. Zodíaco não é um filme de ficção [caça-níquel] brincando com o misterioso submundo dos serial killers. Ele é um retrato histórico de um acontecimento real, que assim como Todos os Homens do Presidente, foi condensado em um excelente e esclarecedor filme.

O longa perpassa os vários anos de investigação do caso do Zodíaco. Fincher parece adotar uma postura documental, apenas apresentando os fatos, sem fazer críticas ou reflexões. O desenvolvimento das personagens dá ao espectador a oportunidade de refletir sobre a atuação jornalística e investigativa do caso. Só no último terço do longa é apresentada a dúvida em relação a eficácia do trabalho de comparação caligráfica, essencial para incriminar os possíveis suspeitos. O Inspetor David Toschi (Mark Ruffallo) informa que investigador de caligrafia, Sherwood Morrill (Philip Baker Hall), fora expulso da polícia e tem problemas com alcoolismo. Portanto, Sherwood talvez não estivesse em condições para atestar corretamente algo tão importante para o caso. Esta falha no processo investigativo, talvez tenha sido crucial para deixar livre um dos maiores assassinos dos EUA. Agora, quem pode assegurar que isso não ocorre atualmente?

O roteiro de Zodíaco deixa de lado a tendência atual de enfatizar o criminoso, que porventura até os enaltece, e foca nos investigadores. As atuações de Rufallo e Jake Gyllenhaal demonstram eficientemente a disparidade de sentimentos ao longo da investigação. Do empenho em reunir informações e decifrar os códigos à frustração que quase obrigam as personagens a convencer os demais que aquele suspeito é o assassino, mesmo não o sendo. A vontade de pegar o verdadeiro Zodíaco é tão grande, que eles quase abandonam a razão, fato de estarem cansados da investigação. Tal frustração me remeteu ao memorável final de Memórias de um Assassino.

Outro aspecto importante é o papel do jornalismo no caso. Começa por publicar as cartas codificadas do assassino até promover um espetáculo patético na TV em que o suposto Zodíaco fala por telefone em rede nacional. A busca desenfreada por notícias acaba contabilizando mortes ao assassino que não são de sua autoria. O longa de uma forma bem elegante convida a questionar a fama deste serial killer. Não se sabe ao certo se o assassino do Zodíaco era aquilo tudo mesmo, ou se fora um produto potencializado pela mídia e o medo. De qualquer forma, o Zodíaco queria filmes sobre seu “trabalho” – com esse já são três.

Apesar do final do filme indicar um potencial suspeito, nunca foi provado o real envolvimento de Arthur Leigh Allen no caso. Não se pode ignorar que o filme é baseado no livro escrito pelo cartunista, Robert Graysmith, personagem principal do longa. Portanto, é a visão dele sobre o caso. Diante de uma investigação cheia de equívocos, fica difícil ter certeza que Arthur Leigh era mesmo o Zodíaco. Tudo indica que era, mas nem tudo que indica realmente é. Quantos inocentes foram presos ou executados por parecerem ser culpados?

Assim como Clube da Luta, que é visto como violência gratuita e lembrado pelo trágico episódio acontecido no cinema de São Paulo em que um estudante metralhou a platéia, Zodíaco parece que só será bem quisto entre cinéfilos. Fincher dá um passo significativo na carreira e demonstra um amadurecimento digno dos grandes gênios do cinema. Infelizmente, o grande público é que não parece amadurecido para filmes dele.


Zodíaco (Zodiac - 2007)
Direção: David Fincher
Elenco: Jake Gyllenhaal, Mark Ruffalo, Anthony Edwards, Robert Downey Jr., Brian Cox, Chloë Sevigny, Philip Baker Hall.

Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com

2 comentários:

  1. Pergunto-me sobre "obras primas" e clássicos do cinema serem consagrados por cinéfilos. Filmes como "O Poderoso Chefão" e "A lista de Shindler" são também sucesso de público. Por outro lado os filmes de Igmar Bergman estão sempre nos mundinhos fechados do cinema arte. David Fincher já tem reconhecimento e talvez por isso possa experimentar, assim como outros grandes cineastas fizeram. É uma discussão longa, mas tendo a pensar que os verdadeiros grandes filmes além das questões artísticas, sociais, culturais entre outras, devem ser comunicados, ou seja, chegar ao grande público e transformá-lo. Abraço!

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  2. Uma discussão deliciosa esse tema dá. Renderia inúmeros parágrafos aqui. De certa forma, hoje, as obras-prima têm sub-categorias. O Sétimo Selo não está junto de O Poderoso Chefão. A unica unanimidade de crítica e público foi, e talvez sempre será - Alfred Hitchcock.

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