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O Homem Duplicado

O que te leva escolher um filme dentre dezenas em cartaz no cinema, ou centenas numa locadora, ou milhares disponíveis na web? Quem me acompanha aqui no CS sabe que busco acompanhar meus diretores, atores e escritores (roteiristas) favoritos. O Homem Duplicado é baseado em uma obra do monumental José Saramago, dirigido por Denis Villeneuve (Os Suspeitos) e com um dos atores de melhor potencial para o futuro, Jake Gyllenhaal (Os Suspeitos). Convenhamos, só isso basta, mas ao conferir o trailer fiquei salivando para vê-lo. Após os 90 minutos estranhos e complexos do longa, o choque. A cena final O Homem Duplicado não só espanta Adam (Jake Gyllenhaal), mas também joga o espectador contra a poltrona e lhe pergunta: E aí, o que você acha? Pra mim, um gosto metálico e árido, algo que já provei antes em Cidade dos Sonhos, de David Lynch. Opa, então isso é um elogio? Não sei, prove também, mas lhe adianto que o sabor não é fácil ou agradável.

O Homem Duplicado é uma dessas obras que será odiada por uns, e louvada por outros. Há um claro enigma psicológico na trama desenvolvida pelo genial Saramago, que Villeneuve pinta, abusando dos tons amarelados, no intuito de debater com o espectador o que é ou não real  e onde e como uma pessoa enfrenta suas frustrações. Não vou adiantar nada, veja apenas o trailer. O longa tem um ritmo lento e uma trama que, gradativamente, vai se tornando densa e pode soar confusa. Quem conhece a obra de Saramago sabe que ela está menos interessada em esclarecer e explicar as coisas do mundo, mas sim debater as incoerências da vida. Então, se prepare para o desafio.

[Vou tentar desvendar o mistério - spoilers em seguida] Adam e Anthony não são apenas idênticos, são a mesma pessoa. Um é a projeção do que o outro queria ser. Misterioso, com um emprego glamouroso de ator de cinema, que usa roupas transadas, pilota uma moto e tem uma esposa apaixonada e que espera um filho teu. A vida de Adam não tem nada disso. É seca, fria, amarelada e com pouca luminosidade. Aqui uma nota para o ótimo trabalho de fotografia de Nicolas Bolduc. A coincidência dos dois terem a mesma cicatriz no mesmo local já deixa explicito que há algo de esquisito na trama, algo irreal. De repente Adam olha para a cidade, e uma aranha gigantesca caminha sobre os edifícios. Era a pista que faltava, estamos dentro de um sonho. Ou seria um pesadelo?

Perceba que na primeira vez que Adam assiste o filme, em que sugere a existência de seu praticamente clone, ele não percebe Anthony. Ele fecha o notebook e vai dormir. No meio da noite, ele vai rever o filme, e só assim enxerga Anthony. Acredito que é nesse momento que o sonho começa, ao projetar a própria imagem em um figurante do filme que acabou de existir. Como é que Adam não viu alguém idêntico a ele, na primeira vez que viu o filme? Ele viu o que queria ver, no momento em que quis ver.

Será muita coincidência que ambas as esposas, de Adam e Anthony, são loiras muito parecidas? Perceba como a relação sexual é explorada de forma intensa na trama, seja na frieza de Mary (namorada de Adam) e a amorosidade de Hellen (esposa de Anthony). Como acredito que é um sonho masculino, é inevitável não ter algo sexualmente transgressor, como pode-se ver na primeira cena do filme. A frustração sexual de Adam é projetada na promiscuidade de Anthony. Nesse ponto do roteiro, Freud dá as cartas. A relação com a mãe de Adam é que não consegui encaixar nesse sonho dantesco. Mas deve ter.

Chegamos à aranha. O aracnídeo é um dos símbolos que representam o poder feminino. Opa, tudo a ver. Pesquisando mais a fundo, há indícios que sonhar com aranhas indica questões sexuais reprimidas, o que também se encaixa plenamente com a temática do filme. Mas convenhamos que nem todos os espectadores conseguirão associar os problemas sexuais de Adam às arranhas. Melhor, a maioria dos espectadores nem vai perceber que tudo aquilo foi apena um sonho. Para degustar o sabor levemente amargo de O Homem Duplicado é preciso ter uma bagagem cinematográfica ou literária, afinal, não é fácil montar o quebra-cabeça.

O Homem Duplicado, infelizmente, será notado como um filme estranho e confuso, que a maioria das pessoas não conseguirá explicar. Por outro lado teremos um quinhão de pseudointelectuais elevando o filme ao caráter de obra prima, só por ter conseguido desvendar parte do mistério. É tão óbvio que o cartaz do filme acima já deixa explicito que é algo dentro da mente do protagonista. Nem um, nem o outro. O filme é interessante, desafia o espectador, mas tem suas falhas. Eu gostaria que o filme tivesse mais tempo para explorar a dúbia relação de Adam e Anthony e brincar mais com as expectativas do público. Para quem gosta de desafios, indico assistirem O Homem Duplicado, que embora regular, vale para um debate na mesa do bar.



O Homem Duplicado (Enemy - 2013)
Direção: Denis Villeneuve
http://www.imdb.com/title/tt2316411/


Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com
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