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O Presente de Camila

No longa (tsc, tsc) filme anterior do diretor Ivo Costa, Sexta-Feira da Paixão, parafraseei Anton Ego, o crítico gastronômico de Ratatouille, que em sua antológica resenha final diz que: "... a dura realidade que, nós críticos, devemos encarar, é que no quadro geral, a mais simples porcaria, talvez seja mais significativa do que a nossa crítica." Não que fosse necessário naquele momento diante do delicioso e instigante filme, mas aqui, em O Presente de Camila, cabe bem como uma martelada na cabeça.

Visualmente mais bem acabado que o curta anterior, O Presente de Camila já chama a atenção pelo belo trabalho de finalização, em que destaco os letterings setentistas na introdução (deveria ter agradecimento ao Tarantino aqui). A interessante fotografia, que explora o vermelho e o roxo do poster acima, casa-se bem com a boa trilha sonora e nos remete ao saudoso tempo das obras espetaculares de Dario Argento. Eu até senti um clima de Suspiria no ar, o que deve ser encarado como um bom elogio. Infelizmente, os elogios ficam por aí.

Logo no início do curta há uma cena chave, a chegada de Camila com a tal boneca. A senhora que acompanha a garotinha, sua avó, que de acordo com a sinopse é a sogra de Eliza (pelo filme não se consegue aferir isso), deveria ser a força motriz para as angústias da protagonista. A tal senhora só tem essa cena e mera aparições "psico-fantasmagóricas". Então, o que leva realmente Eliza a martelar sua própria vida? A boneca? Fica um tanto óbvio que o roteiro carece de desenvolvimento, sobretudo no conceito. O Presente de Camila parece ser um conto macabro, típico de Contos da Cripta, sobre uma mãe que faz bobagem quando pressionada pela vida. Pense naquela notícias de jornais populares: "Mãe esquarteja filhos e não se lembra de assassinatos".  O curta perde uma ótima oportunidade de vasculhar o cérebro de quem faz uma atrocidade desse tamanho.


Incomoda-me quando o filme se chama "O Presente de Camila" e a dita Camila não tem tanta relevância para a narrativa. A protagonista é a Eliza. O tal presente só entra mesmo como advento para a trágica conclusão. Com um roteiro manco, não há muito o que a atriz Kícila Sá (Eliza) possa fazer a não ser tentar trazer para a face o peso da vida que vai levá-la até o ato derradeiro. O grande problema do curta foi não ter debruçado mais tempo em cima da história. Se o martelo é um elemento essencial na trama, a goteira da cena inicial nos remete a uma chave de grifo ou chave de boca. Ou seja, pra que serve a cena da goteira e a troca da torneira? Simples, pra nada, a não ser deixar o martelo exposto na mesa. Convenhamos, é pobre. Claro que podemos relevar isso. Contudo, não dá para fazer o mesmo quando o surto psicótico da cena final tenta se manter de pé, leia-se muleta, com um simples copo de bebida e alguns comprimidos. O que me deixa fulo da vida é que por meio de Sexta-Feira da Paixão sabemos que o diretor e roteirista, Ivo Costa, pode e sabe fazer mais.

Drummond dizia que escrever é cortar palavras. Não sei quem disse que: "a arte de escrever é o ofício de reescrever". O que se aplica a literatura cabe como um martelo na cabeça de Ivo Costa. Nada como uma pedra no meio do caminho para levantar e continuar caminhando.



O Presente de Camila (2016)
Direção: Ivo Costa
https://www.facebook.com/OPresentedeCamila/

  Gilvan Marçal - gilvan@gmail.com


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